segunda-feira, 9 de novembro de 2009

DEPOIMENTO DO PARTO ESCRITO DIA 08/08/2009

No inicio da minha gravidez um dos temas que mais me aterrorizavam era o parto. Morria de medo do Parto Normal e cheguei a pensar em fazer uma cesária. Mas depois de muito pesquisar sobre o tema decidi que queria um parto normal com anestesia. O médico que me acompanhava no pré-natal desconversava quando tentávamos (eu e meu esposo) tocar no assunto parto. Um dia, no oitavo mês, fui direta e perguntei se ele acompanhava Parto NormaL, ele então disse que PN não tinha como fazer, pois não dava para se programar e blá!blá!blá! Começou ai minha busca por um médico que fizesse PN, não foi nada fácil, mas em um curso de gestante na Unimed conheci um médico, ele acompanhou o fim da minha gestação com muita atenção e dedicação e esta dedicação se mostraram ainda mais no dia do meu parto. Na maternidade pedi anestesia ainda com três cm de dilatação, pois a dor foi muito intensa pra mim, mesmo na água, de cócoras, nenhuma das posições e exercícios nada amenizava a dor das contrações que eram muito freqüentes (de 1 em 1 minuto) com duração de 40 segundos. Logo após a anestesia o médico chegou ficou um tempão conversando conosco, nos acalmando. Passaram-se 10 horas de contrações e dores (só que com a anestesia elas se tornam suportáveis) até que minha bebê nasceu. Linda... Fofa as 41 semanas de gestação. Agradeço de mais a Deus, pois foi o momento mais lindo... Mais perfeito da minha vida... A plenitude existe e existiu na minha vida naquele momento. 40 minutos após o parto constatou se que tive retenção placentária (a placenta estava literalmente "colada" e não saia, passei por uma intervenção de curetagem de mais de 3 horas para removê-la. Mas estava totalmente feliz e satisfeita. Não cansava de agradecer.
O mais incrível é que depois do parto parecia que nada tinha acontecido, não sentia nenhuma dor... Nenhum tipo de desconforto. No dia seguinte já consegui colocar a cinta e vestir minha calça jeans e nem parecia que tinha ganhado bebê.

Hoje 9 dias depois do parto, meu corpo já voltou quase que totalmente ao que era antes de engravidar e estou ótima, e muito feliz de ter tido minha bebê de parto normal.

Mas ficou uma lição pra mim nisso tudo:
Esta experiência me ensinou muito... Muito mesmo! Não é o tipo de parto que torna a coisa mágica é o bebê que nasce que ilumina tudo, o tipo de parto é apenas um detalhe no meio deste processo e terceiro e que você não é menos nem mais mãe porque teve um Parto Normal ou Cesária, você será simplesmente mãe.

Bjokas a todas!

Adri

http://diariodeumanovamae.blogspot.com/

Como Montar um Plano de Parto

Acesse este link e monte seu plano de parto:


http://www.humpar.org/imagens/plano_de_parto.pdf

Humanização do Parto: Qual o Verdadeiro Significado?




Ricardo Herbert Jones
Médico Ginecologista e Obstetra
 

HUMANIZAR (AURÉLIO)
[De humano + -izar.]
V. t. d. 
1. Tornar humano; dar condição humana a; humanar. 
2. Tornar benévolo, afável, tratável; humanar. 
3. Fazer adquirir hábitos sociais polidos; civilizar. 
4. Bras. CE Amansar (animais). 
V. p. 

5. Tornar-se humano; humanar-se
Recentemente em acalorada discussão com um professor de obstetrícia da minha originária faculdade de Ciências Médicas me deparei com um fato que me pareceu digno de aprofundamento. 
Este insigne professor foi autor há alguns meses de um artigo em um jornal local de grande circulação a respeito da criação de Casas de Parto no Brasil. O artigo era a respeito de "Maternidade Segura" e tratava do assunto pela conhecida ótica médica que discursa exaustivamente sobre a questão da segurança. Neste artigo ele tenta demonstrar o perigo de se criar Casas de Parto porque "nunca se pode ter certeza de que um nascimento seja isento de risco", terminando com uma acusação ao Ministério da Saúde afirmando que este tipo de "experiência" só serve para fazer economia às custas da segurança dos pacientes. Citava lugares do mundo onde os partos são exclusivamente hospitalares e "esquecia-se" de citar locais como a Holanda onde mais de 30% dos partos se situam fora dos hospitais e sob o cuidado de parteiras. 
Quando fui aluno deste professor sempre me chamou a atenção a sua postura intervencionista, tecnológica, seu posicionamento claramente favorável às abordagens científicas e técnicas do parto e sua especial simpatia pela obstetrícia americana. Alguns anos antes, ao candidatar-se a cargo eletivo na Cooperativa Médica local, calcou sua plataforma médica na questão do combate aos "profissionais alheios à medicina" que estariam exercendo atividades na obstetrícia, numa alusão clara à atividade das enfermeiras obstétricas. Colegas me relatavam que no seu plantão no Hospital da Universidade ele proibira que enfermeiras da graduação realizassem qualquer tipo de atendimento obstétrico.
Bem, nada disso é surpreendente. Estas coisas todas eram do meu conhecimento. Sabia que ele como professor de obstetrícia reproduzia todo um arcabouço filosófico que sustenta e embasa o proceder ritualístico da obstetrícia contemporânea. Entretanto o que me deixou espantado é que nossa conversa iniciou-se com a seguinte frase por ele pronunciada: "- Dr, as coisas que aqui serão discutidas nada tem a ver com sua posição em relação à Humanização do Nascimento, até porque sou claramente favorável a ela."
Quando o meu honorável professor proferiu esta sentença eu fiquei pensando: existe alguma coisa que não está bem explicada a respeito da humanização do nascimento. Se este professor considera-se um defensor do Parto Humanizado, sendo que ele é o responsável técnico de uma maternidade que tem 80% de cesarianas, que trabalha como professor de obstetrícia e forma os obstetras que vão trabalhar posteriormente nesta mesma maternidade (e o faz há mais de 20 anos), escreve e discursa contra as Casas de Parto e não aceita o atendimento de obstetrizes em partos de baixo risco, o que sou eu então? 
Percebi que existe muita confusão conceitual nesta área, e que se quisermos realmente modificar estas questões temos que definir claramente qual a nossa proposta de modelo, o que queremos dizer com humanização, quais os nossos objetivos e as nossas metas. Assim como a discussão do "normal e natural", a discussão do "humanizar" faz-se necessária, sob pena de colocarmos em um mesmo saco gatos, cães, lebres, coelhos. Não é admissível que "humanização" torne-se um chavão vazio, como tantos outros que conhecemos, em que todos o utilizem sem a menor responsabilidade e sem ter consciência exata do que estão tratando. 
O QUE É HUMANIZAÇÃO DO PARTO
Existe um movimento no mundo inteiro no sentido de reforçar estas teses. Aqui no Brasil temos a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento que é nossa principal ferramenta de aglutinação de profissionais de várias áreas interessados na modificação do atendimento à mulher no ciclo gravido-puerperal. Entretanto percebo que ainda não possuímos uma definição concreta e precisa do que entendemos por humanização, a ponto de um médico que me parece claramente um "intervencionista" tradicional auto-proclamar-se "humanista". Porque?
Na minha ótica, (e desde já pretendo colocar que se trata apenas de um viés absolutamente pessoal e que apenas pretende iniciar um debate sobre a questão) quando abordamos este assunto temos que compreendê-lo na sua origem, nas raízes, fugindo tanto quanto possível da pueril superficialidade que aparece aos nossos olhos. O equívoco que a mim parece evidente nas palavras do meu professor é que ele não tem conhecimento do que seja o projeto de humanização no seu sentido amplo e profundo. 
Quando ele fala em humanizar está se referindo a tratar com mais gentileza e "humanidade" as pacientes nos Centros Obstétricos; refere-se a uma abordagem menos agressiva e mais racional do manejo das internações. Porém eu considero humanização do nascimento algo muito mais profundo do que isso. Vai além de fazer um centro obstétrico mais arejado, enfermeiras e atendentes sorridentes ou colocar vasos de flores nos quartos. 
Humanização do Nascimento tem a ver com a posição em que a cliente/parturiente ocupa neste cenário. Neste sentido humanizar tem a ver com feminilizar. Enquanto o nascimento for manejado de forma masculina ele nunca será verdadeiramente humanizado. É inadmissível que um fenômeno tão intrinsecamente feminino seja gerenciado por pressupostos tão marcadamente masculinos! Se a paciente se mantém como objeto, como indivíduo passivo, como alguém sobre a qual recaem as forças cegas e desorganizadas da natureza, necessitando por isso um cuidado intensivo no sentido de salvá-la do seu destino cruel, então nem 1 milhão de flores, rosas, jasmins, cravos, orquídeas e nem milhares de sorrisos benevolentes tornarão este parto um parto humanizado. 
O que torna um parto humanizado, ao contrário do manejo alienante que encontramos nas nossas maternidades, é o protagonismo conquistado por esta mulher. A posição de cócoras, a presença do marido/acompanhante, a diminuição de algumas intervenções sabidamente desnecessárias, o local do nascimento, etc. não são suficientes para tornar um nascimento "feminino e humanizado". É necessário muito mais do que isso. 
Não existe humanização do nascimento com mulheres sem voz. É preciso que esta mulher, consciente da sua posição como figura central no processo, faça valer seus direitos, sua autonomia e seu valor. O que torna um obstetra (ou profissional do parto) humanista ou não, é a capacidade de estimular a participação, o envolvimento efetivo e a condução deste processo a quem de direito: a mãe. Sem estes requisitos de nada adiantam maternidades lindas, belas, arejadas, limpas, assépticas, com enfermeiras gentis e sorridentes. 
Usando como exemplo a questão prisional, uma penitenciária não se torna humana simplesmente varrendo as celas e oferecendo roupas limpas aos detentos. Nem tampouco com carcereiros gentis e sorridentes. Ela se torna humana se a lei é bem aplicada, se não ocorre injustiça na aplicação das penas, se os presos tem os seus direitos respeitados. 
Desta forma, muito mais importante que a humanização da forma, é necessário instituir a humanização dos conceitos. É fundamental construir uma visão nova, que resgate este protagonismo perdido pela tecnocracia dogmática e fechada do cientificismo religioso. Sem este delineamento do que concebemos por humanização ficaremos todos tratando por um mesmo termo conceitos completamente diversos.

Enfim, o projeto de humanização do Parto e Nascimento inicia-se por uma definição clara do que entendemos por "humanizar", para que a partir de conceitos firmes e sólidos possamos construir um modelo mais justo e adequado para as mulheres, sua família e seus filhos.


http://www.humpar.org/humanizacao_parto.htm

«Falta de intimidade no parto viola direitos humanos»

Texto: Maria Jorge Costa   
13 Março 2009
Image Acredita que, para ajudar um bebé a nascer, é preciso os médicos colocarem-se no lugar da mulher. Darem-lhe amor. Gerd Eldering veio a Portugal ajudar os profissionais da maternidade Alfredo da Costa a desenvolverem uma unidade de parto natural. À PAIS & Filhos falou da revolução que as mulheres têm de liderar.



Quando começou a fazer partos naturais?
Eu não faço partos, quem faz os partos são as mulheres grávidas.
Sou chefe de um hospital em Bensberg, perto de Colónia (50 km). É um hospital médio, não é privado. Comecei em 1980. Em 1979 tinham menos de 200 nascimentos por ano. Eu vinha de um hospital muito grande com mais de dois mil nascimentos por ano e mais de quatro mil cirurgias, onde era o número dois da estrutura. Este hospital tinha poucos partos e era bastante mais pequeno, mas, por razões familiares, eu queria estar perto de Colónia. Mudei-me para Bensberg porque o meu anterior chefe queria parar de trabalhar e eu decidi que estava na hora de fazer algo novo.
É preciso recordar que, na década de setenta, a tecnologia na saúde materna mudou muito. Introduziu-se muita técnica no sistema de nascimentos para se conseguir diminuir a morbilidade e mortalidade perinatal. Mas, no meio dessa preocupação, os médicos esqueceram-se das mulheres.
Na Alemanha, no final dos anos setenta, as mulheres exigiram decidir o que seria feito com elas durante o parto, recusando que a decisão ficasse nas mãos dos médicos ou das parteiras. Ao mesmo tempo, o médico Frederich Leboyer escreveu o livro «Parto não violento», ao qual tive acesso, e percebi que havia muita coisa que podia mudar. O livro fala sobre parir em liberdade e aí apercebi-me das inúmeras coisas que fazíamos nos partos e que, sei hoje, eram absolutamente desnecessárias.

Por exemplo?
Rapar os pêlos, administar o clister, abrir uma veia a partir das 38 semanas para facilitar a indução do parto. Se for antes das 38 semanas faz sentido porque se trata de um parto prematuro e pode revelar-se necessário. Pensando como Leboyer, decidi que não seria possível fazer nada sem evidência médica comprovada. Se a intervenção não for necessária não se deve fazer porque isso só fará com que surjam dificuldades. Se se provocar o parto às 38 semanas, sem qualquer necessidade clínica, estaremos a contribuir para complicações nos pulmões do bebé e muitas outras que sabemos que podem surgir. Nós, médicos, sabemos isso muito bem.
Por isso, no hospital de Bensberg acabámos com esse tipo de procedimentos e passámos a esperar pelo início das contracções. A partir das 40 semanas de gestação iniciamos uma vigilância mais apertada.

Como é que mudaram?
Olhamos para as mulheres e para o bebé. Se houver algum risco é evidente que temos de intervir. O sistema médico é muito eficaz mas temos de pensar noutras coisas quando falamos de nascimento. Penso que, para dar vida a um bebé, há duas condições: a receptividade e o acompanhamento têm de ser mais importantes do que a medicina. A medicina é uma ferramenta, que tem de estar em boas condições, mas a que só se deve recorrer em caso de necessidade. E é isso que fazemos na nossa clínica. Deixamos o parto natural decorrer de forma natural. Pomo-nos sempre no lugar da mulher ou do bebé. Será que nós íamos gostar que nos fizessem o que nos propúnhamos fazer ao bebé ou à mãe?
Quando eu me imagino a nascer é evidente não que não quero que primeira pessoa a pegar em mim tenha luvas de borracha. Quero que seja a minha mãe, porque é ela que eu conheço. E quero que a minha me olhe e me encoste ao peito dela aumentando a nossa vinculação. Não quero que me ponham a sonda, nem que me façam aspersão ou me aspirem, se não precisar de nada disso. Não quero nenhum procedimento de rotina não necessário. Desde 1980 que não aspiramos as crianças e nem por isso temos mais patologias.

O pediatra vê o bebé no colo da mãe?
O pediatra teve de aprender mais ainda do que nós. Na Alemanha é raro haver pediatras no nascimento. O pediatra nesse momento é o ginecologista/obstetra que tem formação específica para esses primeiros minutos e, sim, observa o bebé no colo da mãe.

Esse é um procedimento da clínica Bensberg ou está generalizado na Alemanha?
Fomos muito copiados por outras maternidades do país. Muitos colegas médicos vieram a Bensberg ver como fazíamos e levaram o modelo para os respectivos hospitais ou clínicas. Não aprendem lá a utilizar a tecnologia mais avançada. A formação que tiveram foi no sentido dos procedimentos para um parto humanizado. E o que é bom neste sistema é que, como a taxa de natalidade baixou cinco por cento por ano na Alemanha, as maternidades viram-se obrigadas a entrar em concorrência umas com as outras para atrair as mulheres. A humanização do parto foi e tem funcionado como uma das formas de atrair mulheres para terem os filhos em maternidades que promovem os partos naturais.

A administração central ou federal incentiva o parto natural?
O Estado alemão nunca interferiu nisso.

Faço a pergunta porque, naturalmente, um parto medicalizado é muito mais caro do que um parto natural.
Mas isso depende da opção de cada clínica. Muitas fecharam por causa da quebra da natalidade. Por isso, as que se querem manter-se abertas têm de criar ambientes atraentes. Na Alemanha, os hospitais têm autonomia administrativa e financeira, se pagarem os impostos e não houver subida da mortalidade perinatal. O problema para os hospitais-maternidade é haver poucos nascimentos, porque o número de nascimentos é que determina o regresso dessas pessoas ao hospital onde tiveram os filhos, na eventualidade de qualquer problema de saúde posterior. Para a viabilidade financeira de um hospital, é muito importante que haja mais nascimentos.

O hospital é rentável se tiver mais nascimentos?
Sim. Quando vejo tantos seguranças na MAC, pergunto-me quem paga.

É o orçamento da maternidade, atribuído pelo Estado.
Nós também recebemos dinheiro do Estado e gerimo-lo como melhor entendemos.

Claro que perguntar-lhe se é possível ter um parto natural em ambiente hospitalar já está mais do que respondido.
No nosso hospital temos um centro de nascimento que é só gerido pelas parteiras. Dentro do hospital.

Se surgir alguma complicação, o médico é chamado ou a mulher é transferida?
Primeiro o médico é chamado, avalia e logo se decide o que fazer. Se for necessário intervir, transfere-se a grávida para um bloco de partos.


O parto natural precisa de tempo. Algumas vezes muitas horas.
Entre 10 e 12 horas.

Em Portugal não temos parteiras como na Alemanha. Sem ser os médicos, temos os enfermeiros parteiros. Como é possível que os profissionais de saúde acompanhem o tempo que demora um parto? Na vossa clínica é fácil porque foi montado o serviço dessa forma. Mas é possível multiplicar o modelo? É que a hora de trabalho de um enfermeiro é cara. Já para não falar do tempo de trabalho de um médico.
Os médicos não estão presentes durante o trabalho de parto! São as parteiras ou as enfermeiras. As enfermeiras parteiras não são tão caras como os médicos. Não vejo problema nenhum. Não se pode substituir o acompanhamento pela medicina. Se o acompanhamento for feito por um médico, isso pode ser contraproducente. É o que acontece, por exemplo, com os medicamentos. Todos têm contra indicações. O acompanhamento da grá-vida, se for em excesso, também tem contra indicações. Os médicos estudam sempre a patologia e não a fisiologia.

Por que acha que os profissionais de saúde são tão cépticos em relação ao parto natural?
Porque têm medo das mulheres, têm medo da proximidade. Por isso afastam-se o mais possível, criam um mundo à sua volta e sentem-se protegidos por isso. Mas eu posso dizer, pela minha parte, que, pelo facto de ter posto a medicina no seu devido lugar, abri os meus horizontes. Também tem a ver com questões etéticas e com o medo da justiça. Isto não acontece só na Europa do Sul. Na Alemanha também. Muitas vezes os médicos convencem-se de que o parto natural é perigoso e se alguma coisa correr mal vão ter os advogados à perna.
Sinto muitas vezes que não sou bem compreendido, porque na clínica tratamos o parto patológico da mesma forma que tratamos o parto natural: pomo-nos no lugar da mulher. Amamo-la e pomo-nos no seu lugar na medida do possível. Não posso dizer que assistimos partos de uma maneira natural. Isso não faz sentido. Assistimos sempre da mesma maneira. Não posso dizer a uma mulher: ‘quer um parto normal, vai para o lado dos partos normais, mas se de repente alguma coisa correr mal vai para o lado dos partos não normais’. Do meu ponto de vista este modo de encarar o parto está errado desde o início.
Temos de ser empáticos. Compreender as mulheres, os companheiros, as crianças. Deste modo, temos um parto normal mesmo que se torne um parto intervencionado.
Quando vejo que, aqui neste hospital, os irmãos e os pais só podem entrar a determinadas horas, não acho isso normal. Eles têm de ter a oportunidade de vir ter com a mulher e com o bebé em qualquer altura.

Por isso muita gente vai para o privado para poder ter visitas sem limitações de horário. Mas depois aí há o problema das cesarianas...
Desde 1982 que assistimos partos na água e a pessoa que moderou a discussão na formação que dei no Porto [na véspera desta entrevista] disse que a maternidade onde trabalha está disposta a mudar o sistema para o parto humanizado desde que haja estudos científicos alargados. Há imensos estudos de partos na água, nós próprios fizemos alguns.
Mas os argumentos não podem ir por aí, porque também não há nenhum estudo que indique que se devem induzidis os partos às 38 semanas. Não há nenhum estudo que diga que é bom ter à volta de 40 por cento de cesarianas. Acho que também não há nenhum estudo sobre a assistência do parto com ou sem emoção. Nós sabemos que a criança é dependente da mãe, seja em termos físicos, seja ao nível das emoções que a mãe sente. E sabemos que o modo como lidamos com a mãe em termos emocionais é o modo com que estamos a lidar com a criança. Acho que, em muitos hospitais portugueses, há muita violência: a privacidade não é prioritária. Vi salas de parto, que deviam ter um ambiente íntimo, com um vidro enorme na porta, por onde qualquer pessoa pode espreitar.

E há ainda a entrada de internos que entram, avaliam, vêem, etc.
Acho incrível e inaceitável esse tipo de situações e estou convencido de que se fosse apresentado na União Europeia, haveria consequências. A falta de intimidade dessa forma viola os direitos humanos.

Quando se fala de humanização de parto ouvimos frequentemente, da parte das grávidas e de alguns médicos, os receios de complicações e riscos.
É por isso que eu não falo em nascimento alternativo mas complementar. Nós fazemos o nascimento humanizado desde 1980 e no início tínhamos adversários, mas com o tempo foram-se aproximando da nossa filosofia e vão à nossa clínica com vontade de aprender como se faz. Mas o que é preciso é uma revolução da mulher.

As mulheres foram intoxicadas com o avanço da tecnologia nos nascimentos. A mensagem que passou foi que só com a tecnologia ao serviço dos partos se garantiam nascimentos seguros. A única forma de assegurar que se reduzissem os números de morbilidade pré-natal e perinatal era o parto ser no hospital e as mulheres estarem rodeadas de máquinas. As mulheres ficam sem saber o que fazer porque os médicos continuam a passar a mesma mensagem.
Mas isso é mentira! Esses médicos não conhecem as publicações mais recentes. Ou talvez eles conheçam mas não querem utilizar esses conhecimentos porque perdem poder. Digo isto sendo eu médico.
A nossa mortalidade e morbilidade perinatal não é mais alta do que noutras clínicas. Na Alemanha há um estudo feito regularmente para comparar as clínicas e hospitais e a conclusão é essa mesma.

Se lhe aparecer uma grávida informada, esclarecida e que mesmo assim quer fazer uma cesariana, o que faz?
Nós aceitamos o que as pessoas dizem. Conversamos com a mulher, explicamos exactamente a diferença de procedimentos, os riscos e consequências e se mesmo assim ela insistir na cesariana, não nos opomos. Há mulheres que têm medo do parto e se nós não conseguimos ajudá-la a sair desse medo, não seria empático da nossa parte obrigá-la a ter um parto natural.

O facto de a mulher ser a protagonista do seu parto deve dar-lhe o direito de poder escolher um parto ultra-medicalizado.
Naturalmente. Não é o nosso parto, é o parto dela.

Quando foi a última vez que fez uma episiotomia?
Em todos os partos instrumentalizados (fórceps, ventosas) quase sempre torna-se necessário fazer uma episiotomia.

É frequente recorrer a esse tipo de intervenção?
Temos uma taxa de oito por cento no hospital. Só fazemos quando percebemos que o períneo vai rasgar, o que pode ser perigoso até para uma próxima gravidez.

Em Portugal a indução de parto e a administração da ocitocina sintética é quase uma prática normal.
Isso é terrível. É um modo ditatorial de assistir o parto. Aceito a cem por cento a medicina, é absolutamente maravilhosa, salva vidas, mas só uso a técnica quando há necessidade. E quando tenho de recorrer à técnica, explico à mulher por que é que tenho de o fazer e o que vai acontecer.
As mulheres são fortes e nós temos de receber essa força e ampliá-la. Temos de lhes explicar que normalmente o parto é assim mas que, neste caso, há isto ou aquilo que não está a correr tão bem e por isso temos de recorrer à medicina convencional que temos à disposição. Isso permite às mulheres manterem a sua dignidade e a auto estima mesmo em situações médicas complicadas.

Quem é Gerd Eldering
Médico especialista em ginecologia, obstetrícia e perinatologia do Instituto de Citologia do Centro de Formação de Bensberg no Hospital Vinzenz-Pallotti (Alemanha). Gerd Eldering tem 65 anos, naceu em Colónia, Alemanha. Em 1980 assumiu a direcção de  um pequeno hospital de Bensberg - a 50 quilómetros da mesma cidade -, levando a cabo uma profunda alteração na maternidade e adoptando como ponto de partida o parto natural. Eldering é um dos primeiros médicos a acolher o parto na água como uma das forma de assistir o nascimento e, em estreita colaboração com a parteira Sabine Frieze, decidiu criar uma escola de parteiras no Hospital de Bensberg.
A vinculação precoce entre mãe e filho é uma preocupação central deste médico que, em 1982, começou a assistir partos na água.
Em 1989 assumiu a direcção da escola de parteiras do hospital de Bensberg. A formação alargou-se aos médicos e procura formar técnicos com os mais modernos métodos de assistência do parto natural num ambiente seguro.


«A MAC vai instalar uma nova área de parto natural», revela o responsável da maternidade, Jorge Branco

O que o levou a convidar Gerd Eledering para fazer uma acção de parto natural?
Incentivar os profissionais de saúde a aceitar o parto natural, respeitar as pessoas que querem esse tipo de  parto, e que, por vezes, não tem as melhores condições para o fazer, e desmistificar conceitos errados que alguns profissionais ainda têm em relação ao parto natural.
O facto de ele ser médico foi determinante para a acção na MAC?
Claro que foi determinante, já que a população alvo é também a dos médicos, que, por tradição, são os mais renitentes na prática do parto natural.
O que é que a MAC está a fazer de concreto no sentido da desmedicalização?
A MAC tem um quarto adaptado ao parto natural com uma roda de partos e bolas de Pilates. Para além disso,  publicámos as «Condutas durante o trabalho de parto e parto» que prevêem, por exemplo a ingestão de líquidos durante o parto, a estimulação da amamentação e a prática da deambulação.

Todos os profissionais vão ter formação para assistir partos naturais?
O parto natural requer uma formação prévia. Os profissionais de saúde eventualmente a colocar numa área de parto natural serão recrutados por voluntariado e serão  devidamente formados.

Como sabe, no hospital gerido por Gerd Eldering, a maioria das mulheres tem os filhos no centro de nascimento, organizado por parteiras. A MAC quer ter um centro de nascimento?
A MAC prevê instalar uma nova área destinada ao parto natural, separada do actual Bloco de Partos, dando assim à utente a hipótese de escolher aquela que mais deseja.
Na clínica de Bensberg a taxa de episiotomia é de 8 por cento. Qual a taxa na MAC?
Temos taxa de episiotomias que se situa entre os 37 e os 40 por cento.

O Nascimento dos Mamíferos Humanos



Michel Odent

Obstetra
Todos os mamíferos dão à luz graças à súbita libertação de um fluxo de hormonas. Uma destas hormonas, a oxitocina, desempenha um papel importantíssimo. Ela é necessária para a contracção do útero, para os bebés nascerem e as placentas saírem. Está implicada na indução do amor maternal: é o componente principal de um verdadeiro ‘cocktail de hormonas do amor’.

Todos os mamíferos podem também libertar uma hormona de emergência denominada adrenalina, cujo efeito é interromper a libertação de oxitocina. A hormona de emergência adrenalina é libertada em particular quando existe uma possibilidade de perigo.

O facto de a adrenalina e a oxitocina serem antagonistas explica que a necessidade básica de todos os mamíferos ao dar à luz é sentirem-se seguros. Num ambiente selvagem, uma fêmea não consegue dar à luz quando houver uma possibilidade de perigo, por exemplo na presença de um predador. Nesse caso é vantajoso libertar adrenalina, que leva mais sangue aos músculos junto ao esqueleto e dá mais energia para lutar ou fugir; é também vantajoso parar de libertar oxitocina, para atrasar o processo do nascimento. Na verdade há uma grande diversidade de situações associadas à libertação de adrenalina.

Os mamíferos libertam adrenalina quando se sentem observados. É evidente que todos confiam numa estratégia especial para não se sentirem observados ao dar à luz: a privacidade é obviamente outra necessidade básica. A hormona de emergência também está implicada na regulação térmica. Num ambiente frio, um dos papéis bem conhecidos da adrenalina é induzir o processo de vasoconstrição. Este facto explica que, para dar à luz, os mamíferos necessitam de estar num local suficientemente quente, segundo a adaptabilidade da espécie.
Uma vez que os humanos são mamíferos, estas considerações fisiológicas sugerem que, para dar à luz, as mulheres devem sentir-se seguras sem se sentir observadas, num local suficientemente quente.
 

As desvantagens humanas

Embora a perspectiva fisiológica possa identificar facilmente as necessidades básicas das parturientes, pode também facilitar a compreensão das desvantagens específicas dos seres humanos no período do nascimento. As desvantagens humanas estão relacionadas com o enorme desenvolvimento daquela parte do cérebro denominada neocórtex. É graças ao nosso enormemente desenvolvido neocórtex que conseguimos falar, contar e ser lógicos e racionais. O nosso neocórtex é originalmente uma ferramenta que serve a velha estrutura cerebral como forma de suportar o nosso instinto de sobrevivência. O que interessa é que a sua actividade tem tendência a controlar estruturas cerebrais mais primitivas e a inibir o processo do nascimento (e também qualquer tipo de experiência sexual).

A natureza encontrou uma solução para ultrapassar a desvantagem humana no período do nascimento. O neocórtex deve estar em descanso, para que as estruturas cerebrais primitivas possam mais facilmente libertar as hormonas necessárias. É por isto que as mulheres que dão à luz tem tendência a isolar-se do mundo, a esquecer o que leram ou aquilo que lhes ensinaram; atrevem-se a fazer o que nunca se atreveriam a fazer no dia a dia social (gritar, praguejar, etc.); podem encontrar-se nas posturas mais inesperadas; já ouvi mulheres dizerem posteriormente: ‘Estava noutro planeta’. Quando uma mulher em trabalho de parto se encontra ‘noutro planeta’, isto significa que a actividade do neocórtex foi reduzida. Esta redução da actividade do neocórtex é um aspecto essencial da fisiologia do parto entre os seres humanos.
 

Este aspecto da fisiologia do parto implica que uma das necessidades básicas das parturientes é serem protegidas contra qualquer tipo de estimulação do neocórtex. De um ponto de vista prático, é útil explicar o que isto significa e analisar os factores conhecidos que podem estimular o neocórtex humano.

A linguagem, particularmente a linguagem racional, é um desses factores. Quando comunicamos com a linguagem, processamos aquilo que captamos com o neocórtex. Isto implica, por exemplo, que se houver alguém a assistir ao parto, uma das principais qualidades deve ser a capacidade de manter um perfil baixo e permanecer silencioso, e em particular evitar fazer perguntas directas. Imagine uma mulher em trabalho de parto e já "noutro planeta". Atreve-se a gritar; atreve-se a fazer coisas que de outra forma nunca faria; esqueceu-se do que lhe ensinaram e dos livros que leu; perdeu o sentido do tempo e depois encontra-se na posição inesperada de ter de responder a alguém que pretende saber quando urinou pela última vez! Embora seja aparentemente simples, vai provavelmente demorar muito tempo a redescobrir que um assistente de nascimento deve manter-se o mais silencioso possível.

Luzes fortes
são outro factor que estimula o neocórtex humano. Os electroencefalógrafos sabem que a actividade cerebral que explora traços pode ser influenciada pelos estímulos visuais. Normalmente fechamos as cortinas e desligamos a luz quando pretendemos reduzir a actividade do nosso intelecto para dormirmos. Isso implica que, de uma perspectiva fisiológica, uma luz fraca deve em geral facilitar o processo do nascimento. Vai também levar algum tempo a convencer muitos profissionais da saúde de que se trata de um problema sério. É notável que logo que a parturiente se encontra ‘noutro planeta’ é espontaneamente levada a posturas que tendem a protegê-la de todos os tipos de estímulos visuais. Por exemplo, pode ficar de gatas, como se rezasse. Para além de reduzir as dores nas costas, esta postura comum tem muitos efeitos positivos, tais como eliminar a principal razão da angústia fetal (compressão dos grandes vasos ao longo da coluna) e facilitar a rotação do corpo do bebé.

A sensação de ser observada pode também ser apresentada como outro tipo de estímulo do neocórtex. A resposta fisiológica à presença de um observador já foi objecto de estudos científicos. Na verdade, é do conhecimento comum que todos nos sentimos diferentes quando sabemos que estamos a ser observados. Por outras palavras, a privacidade é um factor que facilita a redução do controlo do neocórtex. É irónico que todos os mamíferos não humanos, cujo neocórtex não está tão desenvolvido como o nosso, tenham uma estratégia para dar à luz em privacidade; os que estão normalmente activos à noite, como os ratos, têm tendência a dar à luz durante o dia, e pelo contrário outros, como os cavalos, que estão activos durante o dia, têm tendência para dar à luz durante a noite. As cabras selvagens dão à luz nas áreas mais inacessíveis das montanhas. Os chimpanzés, nossos parentes próximos, também se afastam do grupo. A importância da privacidade implica, por exemplo, que existe uma diferença entre a atitude de uma parteira que se coloca em frente a uma parturiente e a observa, e outra que se limita a sentar-se perto dela. Também implica que deveríamos ser relutantes ao introduzir qualquer dispositivo que possa ser considerado uma forma de observar, seja uma câmara de vídeo ou um monitor fetal electrónico.

Na verdade, qualquer situação com probabilidades de disparar uma libertação de adrenalina pode também ser considerada um factor com tendência a estimular o neocórtex.

As dificuldades mecânicas do nascimento do Homo Sapiens
também se relacionam com o desenvolvimento do cérebro. No final da gravidez, o diâmetro mais pequeno da cabeça do bebé (que não é exactamente uma esfera) é mais ou menos o mesmo que o diâmetro maior da pélvis da mãe (que não é exactamente um cone). O processo evolucionário adoptou uma combinação de soluções para atingir os limites do que é possível.

A primeira solução foi tornar a gravidez o mais curta possível, para que, de certa forma, o bebé humano nasça prematuramente. Além disso descobrimos recentemente que a mãe grávida pode, até certo ponto, adaptar o tamanho do feto ao seu próprio tamanho, modulando o fluxo sanguíneo e a disponibilidade de nutrientes ao feto. Por isso é que as mães de aluguer mais pequenas com embriões de pais genéticos muito maiores dão à luz bebés mais pequenos do que se espera.    

De um ponto de vista mecânico, a cabeça do bebé deve estar o mais flexibilizada possível, para que o diâmetro mais pequeno se apresente antes da espiral descendente para sair da pélvis materna. O nascimento dos seres humanos é um fenómeno complexo e assimétrico, sendo a pélvis materna mais larga transversalmente à entrada e mais larga longitudinalmente à saída. Um processo de ‘modulação’ pode mudar ligeiramente a forma do crânio do bebé, se necessário.

Ao mencionar as particularidades mecânicas do nascimento humano, não podemos evitar referências e comparações com os chimpanzés, nossos parentes próximos. A cabeça de um chimpanzé bebé no fim da gravidez ocupa um espaço significativamente mais pequeno na pélvis materna, e a vulva da mãe está perfeitamente centrada, para que a descida da cabeça do bebé seja o mais simétrica e directa possível. Parece que desde que nos separámos dos outros chimpanzés e ao longo da evolução da espécie hominídea tem havido um conflito entre o caminhar erecto sobre dois pés e, ao mesmo tempo, uma tendência para um cérebro cada vez maior. O cérebro do Homo moderno é quatro vezes maior que o cérebro da nossa famosa antepassada Lucy. Existe um conflito na nossa espécie porque a pélvis adaptada à postura erecta deve ser estreita para permitir que as pernas se aproximem sob a coluna vertebral, o que facilita a transferência de forças das pernas para a coluna vertebral durante a corrida. Uma postura erecta é o pré-requisito para o desenvolvimento do cérebro. Conseguimos transportar pesos pesados na cabeça quando estamos levantados. Os mamíferos que andam sobre quatro patas não conseguem fazê-lo. Aparentemente, é por isso que o processo de evolução encontrou outras soluções que não uma pélvis feminina alargada para tornar possível o nascimento do ‘primata com o cérebro grande’: quanto mais rapidamente corriam os nossos antepassados, mais probabilidades tinham de sobreviver.

Ambientes culturais

Outra diferença entre os humanos e os outros mamíferos é que os efeitos de um processo de nascimento perturbado no comportamento materno são muito mais evidentes a um nível individual em mamíferos não humanos.

Inúmeras experiências confirmaram que o comportamento maternal de mamíferos não humanos pode ser dramaticamente perturbado pela anestesia geral. Há quase um século, na África do Sul, Eugene Marais fazia experiências para confirmar a sua intuição de poeta segundo a qual existe uma ligação entre a dor do nascimento e o amor materno.(1) Estudou um grupo de sessenta gamos Kaffir, sabendo que não havia registo de sequer uma mãe que rejeitasse uma cria desde há quinze anos. Administrou às fêmeas em trabalho de parto um pouco de clorofórmio e éter, reparando que as mães posteriormente se recusavam a aceitar os recém-nascidos. O comportamento maternal foi também muito perturbado pela anestesia local. Na década de 1980, Krehbiel e Poindron estudaram os efeitos da anestesia epidural entre as ovelhas em trabalho de parto.(2) Os resultados deste estudo resumem-se facilmente: quando as ovelhas dão à luz com anestesia epidural, não tratam dos cordeiros.

Hoje em dia, são comuns as cesarianas na medicina veterinária, particularmente entre os cães. Isto é possível desde que os seres humanos compensem um comportamento maternal frequentemente inadequado, prestem assistência ao processo da amamentação e forneçam, se necessário, substitutos comerciais do leite canino. Os efeitos de uma cesariana no comportamento maternal dos primatas estão bem documentados, porque diversas espécies de macacos são utilizados como animais de laboratório. É este o caso dos ‘macacos-caranguejeiros’ e dos macacos Rhesus.(3) Nestas espécies, as mães não tomam conta dos bebés após uma cesariana; o pessoal do laboratório tem de espalhar as secreções vaginais no corpo do bebé para induzir o interesse da mãe pelo recém-nascido.

Não é necessário multiplicar os exemplos de experiências com animais e observações por veterinários e cientistas que lidam com primatas para convencer ninguém de que uma cesariana, ou simplesmente a anestesia necessária para a operação, pode alterar dramaticamente o comportamento materno dos mamíferos em geral.

Neste aspecto os seres humanos são especiais. Milhões de mulheres em todo o mundo tomam conta dos bebés após uma cesariana, um parto com epidural ou um ‘parto com sedação total’.

Sabemos por que razão o comportamento dos seres humanos é mais complexo e mais difícil de interpretar que o comportamento dos outros mamíferos, incluindo primatas.(4) Os seres humanos desenvolveram formas sofisticadas de comunicar. Falam. Criam culturas. O seu comportamento é influenciado menos directamente pelo equilíbrio hormonal e mais directamente pelo ambiente cultural. Quando uma mulher descobre que está à espera de bebé, pode antecipar a demonstração de alguns comportamentos maternais. Mas isto não significa que não possamos aprender com os mamíferos não humanos. As respostas comportamentais espectaculares e imediatas indicam as questões que deveríamos levantar sobre nós mesmos.

No que toca aos seres humanos, as perguntas devem incluir termos como “civilização” ou “cultura”. Por exemplo, se os outros mamíferos não cuidam dos bebés após uma cesariana, devemos em primeiro lugar perguntar-nos: ‘Qual o futuro de uma civilização nascida de cesariana?’

Os ambientes culturais não só atenuam os efeitos de uma alteração no equilíbrio hormonal durante o processo de nascimento como podem também interferir com o processo do nascimento. Por outras palavras, todas as sociedades que conhecemos perturbam os processos fisiológicos que rodeiam o nascimento.

Interferem através dos assistentes de nascimento que frequentemente estão activos e até invasivos. Originalmente, as mulheres tinham provavelmente uma tendência para dar à luz junto à mãe ou a outra mulher experiente da família ou da comunidade. São estas as raízes das parteiras. Uma parteira é originalmente uma figura maternal. Num mundo ideal, a nossa mãe é o protótipo da pessoa com quem nos sentimos seguros sem nos sentirmos observados nem julgados. Em muitas sociedades, o assistente do nascimento tornou-se um guia e ajudante.

A transmissão de crenças e rituais é a forma mais poderosa de controlar o processo do nascimento e particularmente a fase do trabalho de parto entre o nascimento do bebé e a saída da placenta. Mencionemos apenas, como exemplo, a crença de várias culturas segundo a qual o colostro é impuro ou prejudicial, até mesmo uma substância a extrair e eliminar. Esta atitude negativa relativamente ao colostro implica que, imediatamente após o nascimento, o bebé deva estar nos braços de outrem que não a mãe. É esta a origem de um ritual generalizado e enraizado, que é o de nos despacharmos para cortar o cordão.

Não conseguimos elaborar uma lista exaustiva de todas as crenças e rituais conhecidos que perturbam os processos fisiológicos. Também não conseguimos mencionar todas as crenças que reforçam a atitude comum relativamente ao colostro. É este o caso, por exemplo, das crenças partilhadas por diversos grupos étnicos da África Ocidental segundo as quais a mãe não deve olhar para os olhos do recém-nascido, para que ‘os maus espíritos não entrem no corpo do bebé’.

Devemos tomar consciência de que o ambiente cultural do séc. XXI está a transmitir as suas próprias crenças, particularmente no que diz respeito ao estabelecimento do parto natural. Estas crenças também contrariam aquilo que podemos aprender a partir das perspectivas fisiológicas e do comportamento dos outros mamíferos.

Por exemplo, é comum comparar as parturientes com atletas como corredores de maratonas, a quem se aconselha que consumam grandes quantidades de hidratos de carbono, proteína e fluidos antes de iniciar um grande esforço físico.(5) Muitos assistentes de nascimento são influenciados por estas comparações e incentivam as mulheres a comer coisas como massa no início do trabalho de parto, e a beber qualquer coisa doce quando o trabalho de parto está estabelecido. Na verdade, quando a primeira fase está a avançar, é sinal de que os níveis de adrenalina estão baixos. Depois a parturiente tem tendência a ficar imóvel. Quando todos os músculos junto ao esqueleto estão em descanso, como quando a mãe está deitada sobre um lado ou de gatas, gasta-se muito pouca energia. Além disso, quando o trabalho de parto evolui facilmente, é sinal de que o neocórtex está em descanso. O neocórtex é o outro órgão do corpo humano cujo principal combustível é a glucose. Comparar uma parturiente com uma atleta da maratona pode levar a outros erros, tal como sobrestimar a necessidade de água. Na verdade, as parturientes não perdem muita água, uma vez que os níveis da hormona pituitária de retenção de água (vasopressina) são altos e os músculos junto ao esqueleto não estão activos. Uma bexiga cheia é outro preço a pagar pela analogia com a maratona. Da mesma forma, as mulheres em trabalho de parto são frequentemente aconselhadas a andar. No entanto, o facto de uma mulher em trabalho de parto não sentir necessidade de se levantar e andar é bom sinal. Significa que o nível de adrenalina está provavelmente baixo.(6) Durante a primeira fase de um parto fácil e rápido, as mulheres estão muitas vezes passivas, por exemplo de gatas ou deitadas. Sugerir qualquer tipo de actividade muscular pode ser contraproducente, até cruel.

Pontos de viragem

Quais as vantagens evolucionárias deste leque de crenças e rituais que tendem a desafiar o instinto protector maternal durante um curto período de tempo considerado crítico no desenvolvimento da capacidade de amar?

No contexto científico actual, pensamos em fazer as perguntas desta forma, porque as respostas podem ser sugeridas. Desde a altura em que a estratégia básica da sobrevivência da maior parte dos grupos humanos era dominar a Natureza e dominar outros grupos humanos, foi uma vantagem tornar os seres humanos mais agressivos e capazes de destruir a vida. Por outras palavras, foi uma vantagem moderar a capacidade de amar, incluindo o amor à Natureza, ou seja, o respeito pela Mãe Terra. Foi uma vantagem perturbar os processos fisiológicos no período do nascimento, particularmente na terceira fase do trabalho de parto, que é hoje em dia considerada crítica no desenvolvimento da capacidade de amar. Ao longo dos milénios tem havido uma selecção de grupos humanos segundo o potencial de agressão que apresentam. Todos somos frutos dessa selecção.

Estas considerações devem ser tidas em conta no contexto do séc. XXI.(7) Estamos numa altura em que a Humanidade tem de inventar estratégias de sobrevivência radicalmente novas. Hoje em dia estamos a chegar a uma percepção dos limites das estratégias tradicionais. Temos de levantar novas questões, tais como: “como desenvolver esta forma de amor que é o respeito pela Mãe-Natureza?” Para parar de destruir o planeta necessitamos de uma espécie de unificação da aldeia planetária.

Precisamos mais do que nunca das energias do Amor. Todas as crenças e rituais que desafiem o instinto maternal protector e agressivo estão a perder as vantagens evolucionárias. Temos novos motivos para perturbar os processos fisiológicos o menos possível. Temos novos motivos para redescobrir as necessidades básicas das mulheres em trabalho de parto e dos bebés recém-nascidos.

Este ponto de viragem na história da humanidade ocorre numa altura em que a história do nascimento também se encontra num ponto de viragem. Embora todas as sociedades tenham tido no passado uma tendência para controlar este evento, a situação é radicalmente nova no início do séc. XXI.(8) Até há pouco tempo, uma mulher não podia ser mãe sem libertar um fluxo de hormonas, que constitui na verdade um complexo cocktail de hormonas do amor. Hoje em dia, na fase actual do parto industrializado, a maior parte das mulheres tem bebés sem confiar neste cocktail de hormonas. Muitas têm uma cesariana que pode ser decidida e executada antes de ter início o trabalho de parto. Outras bloqueiam a libertação das hormonas naturais fiando-se em substitutos (normalmente oxitocina sintética no soro, mais uma anestesia epidural). Até as que acabam por dar à luz sem medicação recebem muitas vezes um agente farmacológico para fazer sair a placenta numa altura crítica da relação entre a mãe e o bebé.

Sublinhemos que uma injecção de oxitocina sintética não tem efeitos a nível comportamental, porque não atravessa a barreira entre o sangue e o cérebro. A questão inspirada por estas práticas tão disseminadas tem de ser colocada em termos de civilização.

Um método prático

Uma vez que é urgente melhorar a nossa compreensão dos processos fisiológicos, aparece um método prático como ajuda adequada para redescobrir as necessidades básicas das parturientes. Pode ser resumido numa frase: no que toca ao trabalho de parto, parto e nascimento, há que eliminar o que é especificamente humano e atender às necessidades do mamífero. Eliminar o que é especificamente humano implica que o primeiro passo deve ser livrarmo-nos do resultado de todas as crenças e rituais que, durante milénios, perturbaram os processos fisiológicos em todos os ambientes culturais conhecidos. Implica ainda que a actividade do neocórtex, a parte do cérebro cujo enorme desenvolvimento é um traço exclusivamente humano, tem de ser reduzida. Implica ainda que a linguagem, que é especificamente humana, deve ser utilizada com muita precaução.

Atender as necessidades do mamífero significa em primeiro lugar satisfazer a necessidade de privacidade, uma vez que todos os mamíferos têm uma estratégia para não se sentirem observados quando dão à luz. Também significa satisfazer a necessidade de segurança. É significativo que, quando uma mulher em trabalho de parto tem total privacidade e se sente segura, acaba por se colocar em posturas caracteristicamente mamíferas, por exemplo de gatas.  

É comum alegar que o nascimento tem de ser ‘humanizado’. Na verdade, a prioridade deveria ser ‘mamiferizar’ o nascimento. De certa forma, há que desumanizar o nascimento.

Referências:

1 - Marais EN. The soul of the white ant. Methuen. London 1937.
2 - Krehbiel D, Poindron P. Peridural anaesthesia disturbs maternal behaviour in primiparous and multiparous parturient ewes. Physiology and behavior 1987; 40: 463-72.
3 - Lundbland E.G., Hodgen G.D. Induction of maternal-infant bonding in rhesus and cynomolgus monkeys after caesarian delivery. Lab. Anim. Sci 1980; 30: 913.
4 - Odent M. A Cientificacao do amor. Edicao Brasileira Saint Germain 2002.
5 - Odent M. Laboring women are not marathon runners. Midwiferytoday 1994; 31: 23-26.
6 - Bloom SL, McIntire DD, et al. Lack of effect of walking on labor and delivery.
N Engl J Med 1998; 339: 76-9.
7 - Odent M. O camponês e a parteira.
Editora Ground. Sao Paulo 2003.
8 - Odent M. The Caesarean.
Free Association Books. London 2004.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009