quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Médico defende o fim da dor na hora do parto

Sábado, Setembro 20, 2008
Médico defende o fim da dor na hora do parto

A pior dor do mundo? Esqueça

Médico americano preconiza que a mulher
pode e deve tomar anestesia desde o começo
do trabalho de parto e ter seu bebê sem sofrimento
Christina Simons/Corbis/Latin Stock


Depois de horas e horas de dor indescritível, o bebê nasce, perfeito, e a mãe esquece tudo o que passou. Comovente, mas não obrigatório: segundo o anestesista americano Gilbert Grant, autor do livro Enjoy Your labor – A new approach to pain relief for childbirth(Aproveite o parto – uma nova abordagem do alívio da dor no nascimento), o uso de anestesia peridural durante todo o trabalho de parto, em doses que aumentam junto com a dor, é perfeitamente viável – ele aplica o método há quinze anos – e permite dar à luz com sofrimento zero. No Brasil, apesar do número recorde de cesáreas, a prática do parto normal realmente sem dor, com anestesia do princípio ao fim, é pouco aplicada. O temor à dor do parto é um dos motivos que incentivam a prática das cesarianas – no sistema privado de saúde, elas chegam a 80% dos nascimentos. No outro extremo, persiste a idéia de que tudo o que é natural é obrigatoriamente desejável, o que leva à busca de métodos exóticos como o parto na água, à luz de velas ou, como num caso recente no Rio de Janeiro, ao som dos trinados de um cantor lírico – em geral sem uma gota de anestesia. "Ainda existe muito preconceito em relação a fazer a analgesia da paciente assim que ela começa a sentir dor", diz Marcelo Torres, diretor médico da Pro Matre e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sobre o método preconizado por Gilbert Grant. Baseado no Langone Medical Center da Universidade Nova York, o anestesista falou à repórter Bel Moherdaui sobre o peso dos fatores culturais que associam o parto à dor e defendeu vigorosamente a sua especialidade.

Como funciona – Logo que a mulher chega ao hospital, aplicamos uma dose bem leve da anestesia; conforme a dor aumenta, damos doses extras. Mesmo que o parto demore várias horas, não há problema algum. A anestesia peridural pode ser aplicada até ao longo de vários dias, tanto quanto for preciso. Acreditava-se que se a mulher fosse anestesiada antes de alcançar 4 centímetros de dilatação a progressão do parto cairia. Mas há pelo menos três anos sabemos que, pelo contrário, a dilatação pode até aumentar com a anestesia. Acredito que no futuro todas as parturientes vão receber anestesia antes de sentir dor. Mas é difícil mudar algo tão arraigado culturalmente.

Floris Leeuwenberg/Corbis/Latin Stock

"O parto na água não é uma boa idéia para humanos"

Herança atávica – Ao longo de 25 anos de prática da medicina, pude observar que o desejo de enfrentar o parto sem anestesia decorre, principalmente, da cobrança cultural. Na origem disso, muitas vezes de forma inconsciente, está a referência religiosa, com a menção bíblica ao sofrimento no parto como castigo coletivo às mulheres porque Eva pecou no Jardim do Éden. Existe muita pressão da sociedade, dos amigos, dos parentes. Espera-se que elas agüentem a dor do parto, porque isso é natural. Tenho certeza de que, se os homens dessem à luz, essa discussão nem existiria. No meu livro falo que, evidentemente, ninguém pensaria em fazer uma cirurgia de remoção do apêndice sem anestesia. Se todas as mulheres soubessem quanto podem se beneficiar da anestesia peridural no parto normal, um número muito maior optaria por ela. O maior problema é a falta de informação, a ignorância. Já perdi a conta de quantas vezes ouvi, depois do parto, a paciente dizer: "Se eu soubesse, não teria esperado tanto". Sabemos que a dor do parto é a pior que a mulher vai sentir em toda a sua vida e que a peridural é capaz de eliminar essa dor. Mas parece que há mulheres que não querem acreditar nisso.

O tamanho da dor – A comparação mais comum é com a dor da pedra nos rins. Para um homem, é muito difícil imaginar. Aliás, para a mulher também. O mais próximo nelas é a cólica menstrual, mas a dor do parto é 100 vezes mais forte, então não é uma comparação muito justa. Ressalve-se que a dor é um fenômeno totalmente subjetivo. Depende da pessoa que está sentindo. Na Índia, há quem ande sobre brasa e não sinta nada. Temos de deixar cada indivíduo decidir quando a dor se torna desconfortável. Eu, pessoalmente, prefiro não sentir. Se entrasse em trabalho de parto, não ia querer dor alguma. Mas muitas mulheres querem a experiência completa, como era no começo dos tempos.
Divulgação
AMPLA E IRRESTRITA
Grant: "Sentir dor não tem vantagem nenhuma"


Benefício zero – Sentir dor não tem vantagem nenhuma e ainda pode ser perigoso. Além do sofrimento em si, há efeitos fisiológicos e psicológicos. Quando se sente muita dor, as veias se estreitam, o que diminui o fluxo de sangue para a placenta; conseqüentemente, o bebê recebe menos sangue. Algumas pesquisas mostram que as mulheres sob dor intensa acabam desenvolvendo mais problemas psicológicos depois do parto, como depressão e stress pós-traumático, a doença dos veteranos de guerra. A experiência pode deixar marcas profundas.

Segurança – A anestesia peridural é muito segura. É claro que podem acontecer problemas, como em tudo na medicina. Mas existe maior probabilidade de alguma coisa dar errado quando a paciente está a caminho do hospital do que de haver algum problema com a peridural. Cerca de 1% das pacientes tem dor de cabeça muito forte, mas isso é tratável. Também é possível ocorrer queda da pressão arterial da mãe, o que afeta o bebê, mas as providências são rápidas e eficientes. No hospital em que trabalho, jamais aconteceu de mãe ou bebê morrerem por causa da anestesia.

Experiência pessoal – Tenho três filhas lindas. As três nasceram de cesariana. Se tivesse sido parto normal, minha mulher teria recebido anestesia da mesma maneira. Não deixo nenhuma mulher que eu conheça e ame ter filho sem peridural. Já vi milhares de mulheres dar à luz e conheço bem a diferença.

Relaxamento perfeito – Não existe melhor técnica de relaxamento do que eliminar a dor no processo. Sem dor, a parturiente consegue respirar, ler uma revista, sorrir. As celebradas técnicas de respiração até ajudam a relaxar um pouco, mas não se comparam ao alívio dado pela medicação. Sem falar que a mulher que não consegue respirar como aprendeu no curso pré-natal por causa da dor muitas vezes se sente frustrada consigo mesma. Recentemente, uma paciente minha tentou o parto normal durante horas, inclusive com peridural a partir de certo ponto, mas não conseguiu e foi preparada para a cesariana. Quando perguntei como se sentia, respondeu: "Eu sou um fracasso". Ela estava a minutos de ter um bebê lindo e não conseguia viver a beleza do momento pelo excesso de rigor consigo mesma.

Dose certa – O grande passo aconteceu com o aperfeiçoamento da anestesia peridural. Isso foi possível com o uso de diferentes drogas combinadas para tirar a dor e manter a consciência. Pudemos dosar melhor a quantidade de cada medicamento, aliviando a dor e reduzindo muito os efeitos colaterais. E a grande vantagem da peridural é que ela tira a dor, mas não a capacidade de fazer força para ajudar o bebê a sair, até porque a mulher não está totalmente exausta por ter passado horas e horas sofrendo.

Na hora H – Geralmente, a presença do pai ajuda a dar apoio emocional à mãe. Mas eles sofrem muito com a dor delas. Se a mulher opta pela anestesia desde o começo, o marido também se sente muito aliviado.

Parto na água – É fantástico para peixes. Para os humanos, não acho uma idéia tão boa.

PM Images/Getty Images

"Quando se sente muita
dor, as veias se estreitam,
o que diminui o fluxo
de sangue para a placenta.
O bebê recebe menos sangue.
Além disso, há o risco
de mais problemas psicológicos
no pós-parto"