"O que se pode dizer atualmente é que dentro de um centro obstétrico bem equipado, a segurança da cesareana é equivalente à segurança de um parto pela via natural. Isso é uma coisa nova e temos que ter cuidado para não tirar conclusões apressadas demais. É certo que atualmente, se usarmos os critérios que vêm sido usados até hoje para avaliar como nascem os bebês, poder-se-ia talvez perguntar finalmente “por que não oferecer a cesárea para quase todas as mulheres grávidas? Por que não fazer a cesárea em todas?” Se considerarmos o número de bebês nascidos vivos, os problemas de saúde que a mulher pode ter depois de dar a luz, o custo, considerando os critérios usuais, hoje em dia se pode dizer que ambas as formas são comparáveis e que muitas mulheres de fato preferem uma cesárea eletiva, inclusive algumas que são médicas. Estudos com mulheres obstetras na Europa e nos Estados Unidos mostram que várias dizem que para o nascimento dos próprios filhos, elas preferem uma cesárea eletiva, sendo este o ponto de vista de muitos médicos e de pessoas leigas. Isso é uma questão importante, porque talvez seja preciso introduzir critérios novos. Se dissermos “por que não oferecer cesárea a todas as mulheres?”, as pessoas têm um tipo de conhecimento intuitivo que há algo de errado nesta conclusão, elas acreditam que a forma como nascemos tem conseqüências a longo prazo, que temos que pensar em termos de civilização... Finalmente, isso nos ajuda a acreditar que é preciso introduzir critérios novos para avaliar como nascemos."
"E há várias formas de compreender de que tipo de critérios precisamos hoje. Há pessoas que possuem um conhecimento intuitivo e que não precisam de informação científica para transmitir esse conhecimento. Elas pensam que podem falar a linguagem do coração. De fato, se elas usarem a linguagem do coração e da intuição, não serão ouvidas por ninguém. Tais pessoas precisam aprender a serem bilíngües. O que isso significa? Precisam aprender a combinar e transmitir o que sabem através da linguagem intuitiva e emotiva com o que sabemos hoje a partir de uma perspectiva científica, que está usualmente fora do campo da medicina. E esta perspectiva científica mostrará quais novos critérios precisam ser introduzidos para avaliar a forma como nascem os bebês, do ponto de vista obstétrico. Dentre as perspectivas científicas a que me refiro, pois há muitas delas, todas participam naquilo que chamo “cientificação do amor”. O que isso significa? Significa que até recentemente, amor era um assunto para poetas, filósofos, novelistas. Atualmente o amor é estudado de várias perspectivas científicas, que podemos mencionar brevemente. A primeira é a perspectiva dos estudiosos da ética, que são cientistas observadores dos comportamentos de animais e de seres humanos, comparando espécies diferentes. Eles foram particularmente os primeiros a nos dizer que os mamíferos, não se separam da cria imediatamente após o nascimento, naquele curto espaço de tempo, que é um período crítico, que jamais se repetirá e que é fundamental para o apego entre mãe e bebê. Isso foi a primeira perspectiva, mas há muitas outras. Uma das mais espetaculares do nosso tempo é uma fornecida por aqueles estudiosos dos hormônios envolvidos durante o parto."
"Sabemos que, para dar a luz, mamíferas em geral e humanas, em particular, precisam liberar um fluxo de hormônios. O componente principal dessa mistura de hormônios é a ocitocina. O que aprendemos atualmente é que a ocitocina não é necessária somente para contrair o útero para o parto e expulsão da placenta, mas talvez seja considerada o típico hormônio do amor. Muito poucas pessoas dão-se conta de que isso é um passo importantíssimo para a história da ciência: o hormônio necessário para o parto é o típico hormônio do amor, necessário para a expulsão do bebê do útero e depois da placenta, também está também envolvido num processo após o nascimento. Então, aprendemos também bastante sobre os outros componentes dessa complexa mistura hormonal. Isso para mostrar que hoje podemos ter uma visão diferente sobre o que acontece quando mamíferas dão a luz e, em particular, mulheres.
Podemos explicar hoje que, para parir é necessário liberar um complexo coquetel de hormônios do amor. Isso é algo novo, que não poderia ser afirmado 30 anos atrás. Isso mostra que tipo de critério deve ser adicionado atualmente aos critérios convencionais para avaliar como nascem os bebês. Significa que precisamos pensar a longo prazo. Até agora, o critério envolvia olhar somente para o período durante o parto, se o bebê nasce vivo e saudável, etc. Quando sabemos que a capacidade de amar está envolvida na forma como nascem os bebês, precisamos pensar em termos de civilização, o que é algo novo, um ponto de mudança na história do nascimento, quiçá também na história da humanidade."
"Podemos nos perguntar o porquê, na nossa sociedade e em quase todas no mundo, muitas mulheres não conseguem liberar o hormônio necessário na hora do parto. De fato, há uma razão para isso: têm sido completamente esquecidas as necessidades básicas de uma mulher durante o parto. Há uma razão para termos esquecido isso: o processo de parto vem sendo controlado pela cultura por milhares de anos. Todas as sociedades conhecidas perturbam dramaticamente o processo de parto, principalmente com rituais, crenças e etc. Temos muitos exemplos, o mais recente é a industrialização do processo de parto. Outra razão é que, durante as últimas décadas, surgiram muitas teorias dando suporte a escolas de parto natural e muitas delas são inaceitáveis no contexto científico atual, elas tornam as coisas muito mais complexas.
No inverno de 1953-54, como um estudante de medicina, eu passei 6 meses na maternidade ... em Paris. E o que eu lembro daquele tempo era a tradicional atitude da parteira quando uma mulher estava dando a luz. O que eu visualizo hoje, em retrospectiva, é uma mulher em trabalho de parto, numa casa pequena, sem ninguém à sua volta, além da parteira sentada num cantinho fazendo tricô. Recentemente percebi a importância de tal atitude, quando ouvi a respeito de um estudo na Universidade de Cambridge sobre a resposta fisiológica da chamada atividade repetitiva, como o tricô, cujo efeito é manter seu nível de adrenalina o mais baixo possível. E isso é importante porque a chave principal quando uma mulher está prestes a dar a luz é que ela precisa manter seu nível de adrenalina o mais baixo possível. Quando a mulher está liberando adrenalina, ela não consegue liberar ocitocina. A liberação de adrenalina é altamente contagiante e você consegue reduzir seu nível de adrenalina se não houver ninguém à sua volta liberando adrenalina. É uma vantagem a parteira poder manter o nível dela de adrenalina o mais baixo possível e este é o efeito do tricô."
"É algo muito simples, que retornou à minha mente há pouco tempo. Só para dizer que, naquele tempo não tínhamos as estatísticas que temos hoje, foi antes da era da cesárea segura, mas até mesmo para primíparas, os partos eram fáceis para muitas delas. Era simples, mas desde então temos tornado as coisas mais e mais complexas, então o que precisamos fazer hoje é redescobrir o que é simples. Quando eu penso numa visão nova do que aprendi nestes últimos 50 anos ou até mais, eu aprendi que o melhor ambiente possível para um parto fácil é quando não há ninguém por perto, exceto uma parteira experiente, maternal e calada. Claro que nem todas as parteiras precisam ser especialistas em tricô, mas isso serve para ilustrar qual deveria ser a preocupação principal da parteira: manter seu próprio nível de adrenalina o mais baixo possível. Temos que redescobrir quem era a parteira originalmente: uma figura substituta da mãe. Num mundo ideal, a mulher se sente segura no parto com a mãe (sentir-se segura é uma necessidade básica para o parto), sem sentir-se observada ou julgada, o que é outra necessidade básica durante o parto: a privacidade. São coisas que precisam ser redescobertas, inclusive a privacidade na hora de parir.
Podemos nos perguntar o porquê de todas as sociedades conhecidas e não somente as modernas, não somente a americana e os países europeus, mas todas elas dramaticamente atrapalharem o processo de parto, através de rituais e crenças. Um exemplo é a mutilação genital, largamente praticada em partes da África. O efeito é uma cicatriz que fará o parto mais difícil. A parteira originalmente era somente alguém como a mãe. Quando você sente que sua mãe não está longe, você se sente mais segura. Mas com freqüência ela se tornou uma guia autoritária, tornando o parto mais difícil."
"O ponto importante é perceber que as sociedades vêm interferindo no processo do parto por milhares de anos. Um exemplo: ao transmitir a crença de que o colostro é ruim (que é o que o bebê pode encontrar no peito logo após o nascimento e que para a ciência moderna é um líquido precioso mas que a maioria das sociedades clamou como perigoso) chegou-se ao hábito de que, após o parto o bebê não fica no peito e nos braços da mãe, mas nos braços de outra pessoa. E para isso é necessário um ritual para cortar o cordão. Tudo para perturbar o que hoje é chamado o terceiro estágio do parto. Posso dar muitos outros exemplos, mas há milhares deles, a conclusão é que se quisermos redescobrir o processo de nascimento, não podemos nos basear em nenhum modelo cultural. É por isso que precisamos da perspectiva de fisiologistas (cientistas que estudam as funções do corpo, estudando o que é universal, comum a todas as culturas).
Em termos de fisiologia, a pessoa é igual em Tóquio e em Londres. O que pode ser um ponto de referência em termos fisiológicos do qual tentamos não nos desviar demasiadamente? Não temos nenhum modelo cultural mas podemos inspirar algumas perguntas: como explicar que todas as sociedades dramaticamente perturbam o momento do nascimento, particularmente a fase do parto entre o nascimento do bebê e a expulsão da placenta? Uma fase importante, quando é esperado que a mãe libere um pico do hormônio do amor, um período de tempo crucial para a expulsão da placenta. E a expulsão da placenta é vital para a sobrevivência da mãe, que pode morrer de hemorragia. É uma fase do parto que é crítica para desenvolver a capacidade de amar."
"Como explicar que todas as sociedades arrumam truques para tornar esta fase mais difícil? Apesar do custo de todos esses rituais e crenças, os efeitos de perturbação do primeiro contato entre mãe e filho e da expulsão da placenta têm um custo enorme em termos de hemorragia e de morte materna. Ainda há muitas mortes maternas no mundo, a maioria relacionada ao sangramento pós-parto por interferência nesta fase. Para explicar esta tendência de perturbar o processo de parto, precisamos lembrar que todas estas culturas partilham basicamente as mesmas estratégias de sobrevivência, sempre de natureza dominante, de um grupo humano dominando outro, uma civilização sempre tentando dominar a outra. Isso tem sido uma vantagem, até agora, para desenvolver um potencial para a agressividade humana. Nestas sociedades, o efeito é de moderar a capacidade para amar, incluindo o amor à natureza e o desenvolvimento do potencial para agressividade como estratégia. Podemos assim explicar a vantagem da interferência no nascimento, mas atualmente há algo novo.
Estamos aprendendo que há limites para o domínio da natureza, percebemos que precisamos viver em unidade com o planeta. De repente, precisamos fazer novas perguntas, por exemplo “como desenvolver o respeito pela Terra, nossa mãe?" Isto é uma nova faceta do amor. Atualmente precisamos criar novas estratégias de sobrevivência e para isso, o que precisamos mais no futuro é provavelmente da energia do amor. Isso significa que todas estas crenças e rituais idealizados para atrapalhar o processo de parto estão perdendo sua vantagem evolutiva. É urgente, apesar da segurança da cirurgia cesariana, descobrir as necessidades básicas da parturiente e do bebê recém-nascido e, para isso, temos que confiar nas perspectivas dos fisiologistas, que estudam as funções do corpo."
“Atualmente, no contexto de grandes departamentos de obstetrícia, a maioria das cesarianas é de fato necessária. As mulheres precisam da cesárea por não estarem no ambiente certo e porque esquecemos as necessidades básicas de uma mulher em trabalho de parto, falta conhecimento sobre a fisiologia do parto. As parteiras atuais não fazem o papel da figura materna, sendo somente um membro da equipe médica. Mulheres não conseguem parir facilmente e precisam de intervenções, de drogas e de cesariana. Isso significa também que hoje as organizações de saúde pública olham para estatísticas e para as taxas de cesárea que são crescentes. O ponto não é dizer que temos que reduzir as taxas de cesárea porque isso pode ser perigoso, mas podemos observar que quando o objetivo primário é reduzir a taxa de cesárea, o primeiro efeito visível é que há mais e mais nascimentos difíceis pela via vaginal. Tenta-se tudo para evitar uma cesárea, então os bebês nascem após partos longos, com intervenções, ventosa, fórceps e é isso é que é perigoso e deveria ser evitado na era da cesárea segura: partos vaginais difíceis. O ponto não é pregar a redução da taxa de cesárea, mas redescobrir as necessidades básicas durante o parto e o resto virá como conseqüência.”
Bjos a todas!
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